segunda-feira, 19 de outubro de 2015

I rock

Não cumpri o objetivo a que me propus. Não corri 42,195 km. Não fui persistente, rigorosa e muito menos disciplinada. Findos poucos meses da meta estabelecida, simplesmente desisti. Percebi que era cedo demais. Percebi que não assumi o compromisso com seriedade. Na verdade, sempre soube que não iria cumprir. Não sou daquelas pessoas que afirma nunca desistir. Sou daquelas que muda de ideias, que teria feito de outra maneira, que larga coisas e que, simplesmente, olha para o outro lado. Não corri a maratona como apregoei. Mas levantei-me às seis da manhã. E andei pé ante pé, na casa escura. E saí pela porta, noite escura. E afastei a chuva e corri para o comboio. Carreguei um saco com bananas e barras doces e apanhei mais um transporte e mais outro. E respirei o ar abafado com todos os outros. E sentei-me no chão enquanto pés e pernas passavam por mim, todas iguais. E contei os minutos e rezei em silêncio. E pedi ajuda e escolhi o corredor certo. E enfrentei as pernas inicialmente em choque, duras. E descontraí e segui. Evitei as garrafas, as tampas, os atropelos e ansiedade de ver tantos passar por mim. Mantive-me no meu ritmo vergonhosamente lento e orgulhei-me por não o achar vergonhoso. E vi ruas e agradeci a todas as pessoas que cruzaram o olhar. Às que bateram palmas, às que gritavam ou às que em silêncio, longe, torciam por mim. E continuei a correr e soube que ia terminar. E virei caminho e alegrei-me. Mais. Bati as mãos no papel que dava uma "vida extra", engoli energia líquida e revirei os olhos com o sabor das laranjas que me estenderam. Ignorei a dor no joelho. E escolhi o modo como passei a pousar o pé, em dor. Conversei com quem partilhou comigo a estrada e ainda ri. Falei inglês, arrisquei francês e ouvi. Elevei os braços mesmo no fim e dancei. E vi a meta e corri ainda mais. Passei num sprint manhoso. E sorri. Sorri mesmo no cansaço. Sorri mesmo com as pernas destacadas do meu corpo. Sorri no caminho de volta. No metro. No outro metro. No comboio. No caminho até casa. No banho quente. Debaixo do edredon que abafou as dores. Acho que sorri a dormir. Não corri a maratona, não. Talvez nunca corra uma. Mas fiz duas meia-maratonas, em 2015. Por duas vezes, percorri com os meus pés, com as minhas pernas, com a minha cabeça e o meu coração, 21 km. 


* Obrigada, S. por me acompanhares nesta minha insistência. Por me fazeres rir e por atravessares comigo mais esta meta.


4 comentários:

  1. Muito bem, parabéns! A decisão de adiar a maratona foi bem ponderada e mostra o respeito que lhe tens (e deves ter), mas tenho a certeza que não foi cancelada. Que tal 2016? Uma sugestão: Sevilha é tão pertinho :)

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  2. Por vezes temos que repensar e insistir. Temos que adiar e garantir que vamos bem preparados, para que o consigamos fazer e tirar prazer disso.

    Sei bem o que é perder o objetivo e com isso perder o foco, deixando o nosso corpo e mente descambar. Foi o que me aconteceu quando depois de ouvir vários médicos tive que cancelar pela 2ª vez a ideia de me inscrever na Maratona, e desta vez, talvez de uma forma definitiva. Neste momento tenho que me conformar de talvez nunca poder vir a dizer que sou um Maratonista.

    Será isso importante??? Claro que é, mas atrevo-me a dizer que haverá outras coisas mais importantes. O objetivo passa por sermos equilibrados e divertirmo-mos, tirar-mos com isso prazer.

    Quem o pode adiar e fazer mais tarde, pois que o faça e que o faça bem preparado. Não há mal nenhum em adiarmos o nosso objetivo por não estarmos preparados, assim como não haverá mal em nunca o fazer (assim o quero pensar).

    Uma meia maratona não é para qualquer um. Muitas pessoas, aquelas que não correm (pois as outras sabem o que é) acho que fazer 21 kms "tá bem", como se fosse pouco tudo o que é abaixo do 42 kms, pois o referencial que têm é fazê-lo de carro, e de facto, de carro não é nada, não custa nada. Mas a grande maioria delas, senão mesmo todas, acredito que não o conseguiriam fazer.

    FORÇA, pois uma Meia-Maratona é por sim mesmo UM FEITO!!!

    A MARATONA ???

    Um dia ela chegará. ELA, A MARATONA espera sempre por nós!!!!

    Continuação de bons treinos e boas provas.

    Fernando Varela

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    1. Obrigada, Fernando. A sério. Espero que recuperes mas... o importante já tens- a cabeça no sítio certo! Bjs

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